Corte da cana vira a última (e cruel) opção de emprego

No campo, trabalhadores encaram fuligem, calor e ausência de direitos

Jandira da Silva, 22 anos, sentiu ontem pela primeira vez o peso de trabalhar no corte da cana-de-açúcar. Até a semana passada ela produzia calçados numa pequena banca em Mineiros do Tietê (70 quilômetros de Bauru). Com pouco movimento, a patroa se viu obrigada a dispensar funcionários, inclusive ela.

Em Mineiros, a informação sobre vagas na lavoura corre de boca em boca.

Jandira soube anteontem que uma empresa procurava cortadores. Acertou e ontem mesmo já estava no campo. Facão em punho, entrou às 7h para trabalhar até às 16h, debaixo do sol forte que castiga toda a região.

As condições são no mínimo desfavoráveis. A fuligem da cana queimada sobe no ar com muita poeira. A temperatura passa fácil dos 30 graus. Jandira atua sem registro em carteira – diz que a entregou ao patrão há apenas um dia – e não recebeu botas seguras para o trabalho. Se ela soubesse que entraria na lavoura, talvez tivesse fabricado um sapato resistente e levado para o campo. “A banca de sapatos não suja a gente tanto como a cana”, compara. Mas o antigo ofício, hoje. é só lembrança.

Para Damião de Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itapuí e Boracéia, a mão-de-obra “é escrava”. “É só ver como subiram o preço do açúcar e do álcool. E a situação do trabalhador é a mesma.”

O corte da cana revela situações dramáticas como a de Isaías Soares, 36. Ele se separou da mulher e perdeu sua única casa. Está com uma ordem de despejo e não tem para onde ir. “Eu passei a minha casa para a mulher e para as crianças depois da separação e agora não tenho mais onde ficar. Meu prazo para sair da casa já venceu nesse sábado”, conta ele.

O problema incomoda tanto que, quando um comboio de fiscalização do trabalho chega à plantação (leia abaixo), ele pensa ser a polícia para detê-lo ou despejá-lo.

“Você fica com o pensamento nas nuvens. Já procurei um advogado, não tenho mais o que fazer. Estou com medo de ir morar na rua.” Isaías trabalha desde os 6 anos e, no corte da cana, desde 1988.

Blitz do MPT interdita lavoura na região

A produção tem irregularidades como falta de equipamentos de segurança e de galões de água, que não são dados aos cortadores. “Para beber água, tem que trazer. Acabou, tem que tomar água no ônibus. Água quente. E não tem banheiro. Tem que ir no mato, onde tiver lugar”, explica o lavrador Valdecir Pinto, 31 anos.

Na Fazenda São Sebastião, trabalhadores não passaram por exame médico, não receberam treinamento e não têm local para refeições, enumera o procurador do Trabalho Luís Henrique Rafael. “Um ônibus está com o extintor vencido e sem freios. Tem carteiras de trabalho retidas. Vamos convocar as empresas, a terceirizada e a usina beneficiada. Pelo menos os itens de segurança serão exigidos imediatamente”, afirma.

Depois de flagrar a falta de recursos, a fiscalização interditou a frente de trabalho por tempo indeterminado, informa o coordenador do Grupo Estadual Rural do Ministério do Trabalho, Roberto Figueiredo. “Fica interditado até a regularização. Estamos levantando documentos e quais são as empresas beneficiadas”, disse, durante a tarde de ontem. O responsável pela produção não foi encontrado.

Ajustamento

Dezessete usinas do Grupo Cosan têm um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado com o MPT (Ministério Público do Trabalho). Caso seja confirmado o envolvimento delas nas irregularidades de ontem, as sanções podem gerar a execução do TAC, que estipula multa de R$ 50 mil e mais R$ 3 mil por reincidência.

O compromisso atinge 20 mil trabalhadores e prevê que as usinas reduzam as terceirizações até 2010, quando já deverão ter todos os funcionários registrados diretamente. Na região, as usinas atingidas pelo TAC são Diamante (Jaú), Barra (Barra Bonita), Dois Córregos e Ipaussu.

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